segunda-feira, 2 de maio de 2011

[Continuação parte 3...]
O exemplo da “asa da borboleta” levando a furacões, tem sua grande metáfora sociológica no acidente afetando a história humana. A história está cheia de exemplos de situações limite como a das grandes batalhas, como Napoleão em Waterloo, por exemplo, e o fatal atraso de um de seus generais.
No caso brasileiro, um acontecimento recente foi a morte do Presidente eleito Tancredo Neves. O que aconteceria se tivesse Tancredo assumido o poder em lugar de José Sarney?
De um ponto de vista funcional/mecânico clássico nada teria acontecido, pois tanto um como outro indivíduo estaria desempenhando o mesmo papel atribuído pelo sistema político.
De um ponto de vista de modelos de indeterminação, entretanto, a diferença entre indivíduos é essencial, especialmente entre os que por ocuparem posições de poder e, que por isso, tenham condições de influenciar da forma mais direta a vida dos demais. As vontades, as percepções e as iniciativas e por sua vez, a “sorte” de cada um, isto é o acaso, assume uma grande importância.
O exemplo mais evidente neste sentido, é o da própria doença e morte de Tancredo Neves. Outro seria a vitória de Luis Inácio da Silva ou de Leonel Brizola na eleição de 1990. A derrota de Lula por um número mínimo de votos representou um fato crucial na recente história brasileira. O que aconteceria se Tancredo estivesse vivo ou se Lula tivesse vencido? É possível que cento milhões de brasileiros tenham tido, coletivamente, azar.
Este é um aspecto por definição, pouco útil para o processo explanatório tradicional, embora marque uma fundamental diferença metodológica ao enfatizar longas e detalhadas reconstruções históricas. Uma mudança de humor, ou uma doença, ou ainda, um único humilde soldado que não cumpra seu dever podem transformar o mundo. Por isto a maior parte dessas causas dos processos históricos e culturais permanecerão, para sempre, desconhecidas.
Assim, apenas supomos que a crise brasileira, em seu estado caótico, resulta do encontro e desencontro de uma miríade de decisões individuais e de acidentes envolvendo esses mesmos indivíduos.
III. Conclusões: Caos na cultura
Identifiquei quatro possibilidades de operação da metáfora matemática do caos em antropologia.
A primeira é o reconhecimento de que a desordem é um estado comum da vida social, que emerge quando um modelo prévio determinista se tome caótico. Este estudo do Brasil está enquadrado num modelo determinista da cultura tradicional. O modelo tomou-se caótico no momento em que se desfizeram os laços de lealdade que unificavam o país todo, amarrando as classes e, horizontalmente, as próprias oligarquias. Desapareceu a lei habitual baseada na reciprocidade; foi substituída pela aleatoriedade. A partir deste momento, o modelo determinista não opera mais e a aleatoriedade assume o controle.
Modelos deterministas têm sido o principal interesse das ciências sociais e os ingredientes usuais das ideologias nacionais. A idéia de um crescimento metódico é central para o processo brasileiro de construção da nação. O caminho determinista anterior - os brasileiros escreveram em sua bandeira as palavras “Ordem e Progresso” - desapareceu. O acaso teve um papel que toma a presente situação especialmente confusa- a morte, por exemplo, de um grande líder, o Presidente Tancredo Neves, que adoeceu no exato dia em que iria assumir o cargo, em 1985 foi "falta de sorte" em escala nacional. Embora os brasileiros façam especulações sobre a maneira pela qual se chegou à presente situação, não existe consenso (veja a lista acima).
A sociedade brasileira de hoje passa pela experiência do caos determinista de três modos diferentes:
1° - O sistema determinista anterior se tomou aleatório;
2° - A situação presente não pode ser adequadamente explicada;
3° - O acaso é evidentemente um fator significativo no presente e no futuro do país. Tudo pode acontecer, o que aliás é verdade, também, para a situação internacional, especialmente após o fim da União Soviética.
A segunda proposição que define a metáfora do caos na antropologia é a extrema sensibilidade de alguns tipos de fenômenos quanto a suas condições iniciais. Esta proposição é traduzida na antropologia pela influência de seres humanos individuais nos acontecimentos históricos. Muitas das situações associadas com o "fator de batimento das asas da borboleta" continuam despercebidos, por definição. Apesar disto, a desordem e a prevalência do acaso abrem urna possibilidade mais forte para o peso da influência do indivíduo na história
A terceira proposição para a metáfora do caos na antropologia é a analogia com sistemas de equações não-lineares (sistemas complexos): não têm solução mas podem produzir descrições eficientes de conjuntos de relações extremamente complicados. Da mesma forma, a situação brasileira atual, como percebida pelos brasileiros, não tem uma explicação clara, uma "solução". Ela pode, contudo, ser descrita de maneira racional e sistemática.
Finalmente, o quarto aspecto trazido pela metáfora do "caos" é a consideração de níveis de escala na explicação. Níveis de escala diferentes, abrangendo da cultura nacional à instituições, pequenos grupos e indivíduos, passam a assumir papel central. No momento em que o modelo determinista prévio tornou-se caótico, houve uma mudança nas relações entre níveis de escala diferente, com a substituição de relações estruturadas pela por novas relações de ocorrência aleatória.
Espero que a idéia de caos possa ajudar a encontrar meios para lidar com a questão da incerteza de um ponto de vista metodológico em ciências sociais. A suposição da impossibilidade de uma explicação racional é substituída pela idéia de aleatoriedade e pela idéia de explicação a tal nível de detalhe que é impossível detectá-lo. Supõe-se que exista sempre uma explicação, mesmo quando não exista explicação alguma.
Logo, um terceiro nível, o da aleatoriedade pode ser adicionada às dicotomias clássicas, como status e contrato de Maine ou comunidade e sociedade de Weber.
Uma das condições que definem a aleatoriedade, a predominância da escolha individual, não foi inteiramente negligenciada em antropologia. Firth (1951), por exemplo, descreveu a "organização social" como o nível da escolha individual, em contraste à permanente e estável "estrutura social". Situou-a, contudo, em uma posição periférica em seu esquema interpretativo. Além disto, a escolha individual é apenas uma das condições que definem a aleatoriedade. O simples acidente é outra Os acidentes podem tornar-se, às vezes, conhecidos, apenas através da análise histórica
A ênfase nas diferenças de escala, associando sociologia, antropologia, história e psicologia é outra característica da metáfora do "caos" compartilhada com algumas visões pós-modernas que desconsideram limites disciplinares. Por outro lado, a ênfase no trabalho-de-campo, no estilo de Malinowsky, continua a ser uma diferença importante face a essas mesmas formulações pós-modernas. De fato, algumas chegam a desconsiderar a importância do trabalho campo antropológico tradicional.
A metáfora do "caos" oferece urna alternativa às perspectivas que descartam a racionalidade. De um ponto de vista latino-americano [3] , a racionalidade continua a ser uma conquista altamente desejável para a sociedade. Por outro lado, todos os seres humanos devem ser considerados racionais: este é um aspecto essencial da sua humanidade. Desta forma, suas ações podem ser explicadas por meios racionais e a antropologia torna-se um meio para compreender o comportamento que, não fosse por isto, seria considerado irracional.
Um relativismo que faça algum sentido nas ciências sociais deve exprimir estas suposições.

[1] 1 - Leach, no seu artigo "Rethinking Anthropology” ("Repensando a antropologia", l959),sugeriu o procedimento metodológico da "generalização", pelo uso da metáfora matemática como um meio de substituir a "comparação" na antropologia social britânica, um procedimento que ele considerava similar a "coleção de borboletas",. Esta foi uma proposta bastante desorientadora, pois a indução aristotélica através da comparação foi considerada, por milhares de anos, como a maneira certa de generalizar. Assim, a metáfora matemática trazida por Leachpar e a antropologia não substituiu "comparação" por "generalização" como ele presume. Era, antes, uma nova maneira de generalizar. Apesar disto, ele foi quase profético quando levantou a questão de analogia entre o setor específico da matemática conhecido como topologia e a sociedade humana. Topologia, uma criação do matemático francês Poincaré, é o primeiro passo histórico em direção só que hoje em dia tem sido o campo de sistemas dinâmicos na matemática, considerado como um ramo da perspectiva do caos.
[2] não a "modelos orgânicos".
[3] Veja o filósofo mexicano Leopoldo Zea (1988) no seu "Discurso Desde a La Marginalizacion y la Barbarie "(1991). Para superar a nossa atual condição de "bárbaros", um alvo necessário é a racionalidade.

George Zarur.Sorte e Azar, Verde e Amarelo:modelos matemáticos de imprevisibilidade aplicados a cultura humana Disponível em:<http://www.georgezarur.com.br/artigos/116/sorte-e-azar-verde-e-amarelo-modelos-matematicos-de-imprevisibilidade-aplicados-a-cultura-humana>. Acesso em 20/04/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário